26 setembro 2025

Você conhece a história do Sabão Português?

Quando a alvorada do século XX já se insinuava sobre o Rio, e o progresso moderno parecia despontar no traçado ainda molhado de chuvas tropicais, imigrantes portugueses chegaram com algo mais do que malas e saudade: trouxeram conhecimento, fé no trabalho e vontade de empreender. Em meados dos anos 1920, especificamente em 1922, começa a se formar o que viria a ser um dos marcos industriais do Rio: a União Fabril Exportadora — a UFE — originalmente fundada por João Lobarinhas, e outros sócios portugueses. 
O nome de “Sabão Português” emergia ali como marca — e não apenas como rótulo: trazia em si toda uma estética feita de tradição, que lembrava lares em Portugal, noites frias de inverno, roupas estendidas ao luar — mas era vivo, era no calor carioca, no cheiro de mangueira podre misturado com o vento da guanabara, no barulho constante da Avenida Brasil que ainda nem existia. 
Foi em 1938 que a fábrica se instalou no local definitivo em Benfica, à margem da via que depois se tornaria a Avenida Brasil. Antes daquela data, UFE operava em outras regiões, fazendo sabão, lidando com matérias-primas e distribuindo para mercados locais, mas com a mudança para o novo imóvel, em terreno de grande visibilidade e fácil acesso, deu-se o salto decisivo. 
Naquele prédio, entre galpões, caldeiras, “tanques” de saponificação e prensas de pedra, muitos operários e operárias trabalhavam —quando ativa no segmento de fabricação de sabões e detergentes sintéticos, a UFE empregava entre 501 e 1.000 pessoas. 
O Sabão Português — ou “Portuguez”, como algumas embalagens antigas diziam — não era apenas um sabão; era um símbolo: de limpeza doméstica, de cheiro de lar, de orgulho numa indústria nacional mas de influência lusitana. Vendia-se pelo Rio e pelo interior do Estado, em latas ou barras marmorizadas, em detergentes, em utensílios de limpeza, etc. 
Com o passar das décadas, a fábrica conviveu com crises: econômicas, políticas, industriais. Concorrência de produtos químicos mais modernos, importados ou de grande escala; mudanças nos hábitos de higiene; custos elevados de insumos e energia; abandono de parte da infraestrutura. No fim, em 2011, a UFE encerrou suas atividades na fábrica de Sabão Português em Benfica. 
Após fechada, o prédio sofreu com o tempo, com incêndios: em 2012, por exemplo, um fogo atingiu parte da estrutura da antiga fábrica. O uso do terreno passou a ser objeto de disputas urbanísticas: projetaram-se Cidade do Samba, habitação popular, hipermercado. O terreno tem aproximadamente 26 a 28 mil metros quadrados. 
Importância social, cultural e econômica
Enquanto viveu, a UFE foi mais do que fábrica: era ponto de encontro social, gerava trabalho para operários, costureiras, transporte de matérias-primas, comércio local, mercados. Era parte do cotidiano: o cheiro de sabão fresco nas ruas próximas, o vapor, o rangido das esteiras, o brilho que lavava as roupas para batizados, festas, domingos. O Sabão Português fazia companhia às donas de casa, às lavanderias, às pousadas, aos bairros que insistiam em manter o varal de roupas branquinhas sob o sol.
Culturalmente, o produto “Sabão Português” era um símbolo de identidade: para muitos portugueses no Brasil, evocava a memória da terra natal; para muitos brasileiros, era uma marca de confiança, de existência de indústria própria, de que o país podia fabricar aquilo que se usava todo dia.
Economicamente, movimentava capital local; pagava impostos; contribuía com o crescimento urbano da região de Benfica, Caju, São Cristóvão. A existência da fábrica ajudou a consolidar a Avenida Brasil como eixo urbano importante, gerando infraestrutura ao redor.

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