O centenário conto de Leo
Tolstoy “De quanta terra um homem precisa” (How Much Land Does A
Man Need?) permite ainda hoje importantes reflexões acerca do dinheiro. A
história conta a saga de Pakhom, um camponês russo que vivia com a família em
uma pequena fazenda e que dividia com os vizinhos o pasto para os
animais.
Um dia a esposa dele
recebe a visita da irmã, que conta as maravilhas da cidade e critica a miséria
em que vive a anfitriã. Incomodada, a esposa de Pakhom passa desdenhar a vida na
cidade e a defender o modo de vida camponês. O marido, que escutava a conversa,
diz a certa altura que, se tivesse mais terras, nem o diabo poderia com
ele.
Segundo uma antiga lenda
russa, o diabo sempre escolhe a chapa do fogão de alguma casa para passar a
noite. Naquela noite, ele estava na casa de Pakhom e, ao ouvir as palavras,
resolve aceitar o desafio.
A partir daquele dia, o
camponês passa a multiplicar suas terras e ganha uma prosperidade sem
precedentes. Recebe, então, de um desconhecido, a notícia de que os povos
Bashkirs, que viviam em um lugar distante, vendiam excelente terra a um preço
baixo. Pakhom vende seus bens e, com a ajuda de um criado, empreende uma longa
viagem para a terra dos Bashkirs.
Ao chegar é bem recebido
pelo chefe da aldeia e, tão logo é possível, inicia a conversa sobre a compra de
terras. O chefe diz que vende “um dia de terra” por um preço que o camponês
podia pagar. Mas que forma era essa de medir a terra?
O chefe diz que bastava
que eles fossem ao topo de uma colina antes do nascer do sol. Depois de entregar
ali o valor combinado, o camponês teria o dia inteiro para marcar a terra que
quisesse e esta seria sua. Mas caso não voltasse ao topo da colina antes do sol
se por, perderia o dinheiro e ficaria sem terra.
Antes de o sol nascer no
dia seguinte, Pakhom observou lá do alto, no local combinado, as mais belas
terras que jamais tinha visto. Assim que o sol nasceu, ele começou a empreender
uma caminhada e a marcar com pequenos montes de terra seu novo domínio. A cada
colina que vencia, via terras ainda mais bonitas, que não poderia deixar de
fora.
Depois de muito caminhar,
percebeu que o sol estava a pino e que era hora de voltar. Mas durante o caminho
via terras importantes para compor seu patrimônio. Um belo lago, um pasto que
seria perfeito para as vacas ou um vale para o cultivo de cevada. Em um dado
momento, já bastante exausto, notou que o sol começava a se recolher
rapidamente. Correu para chegar ao ponto inicial da
caminhada.
Quando estava ao pé da
colina, o sol lançava os últimos raios do dia. Desanimado, deixou-se cair
prostrado ao chão. Lá do alto os índios gritavam e o incentivavam a continuar. O
sol se punha, mas os raios ainda alcançavam o topo da colina. O camponês buscou
o resto de suas forças e se lançou a um desesperado esforço para chegar ao
cume.
Assim que alcançou o
destino, uma última nesga de sol ainda resistia no horizonte. Os Bashkirs
comemoravam e cantavam alegres a coragem daquele homem. Pakhom, porém, via o
horizonte ficar turvo. Com um filete de sangue correndo no canto da boca, caiu
nos braços do chefe, que agora se parecia muito com o homem que havia lhe
informado sobre as terras baratas. O valente Pakhom estava morto. O leal criado
enterrou o corpo do patrão abaixo de sete palmos de terra – tudo de que ele
precisava.
:: A nossa corrida diária
A história do pobre Pakhom
ilustra muito bem a rotina de executivos, médicos, empresários, bancários,
professores e tantos outros profissionais. Tolstoy certamente não conheceu a
realidade atual, mas ele compreendia a alma humana. Como o camponês que
acreditava que seu sucesso estava em possuir mais terras, o homem de hoje crê
que sucesso está no tamanho do patrimônio que tem.
O vale e o lago que não
podiam ficar fora das terras de Pakhom são hoje o belo carro, a casa de praia ou
de campo, o clube de golfe, a lancha e tantos outros bens que acreditamos serem
fundamentais. A crença quase inconteste de que o dinheiro e os bens materiais
podem trazer a felicidade está impregnada em nossa sociedade de tal forma que,
em determinados momentos, esquecemos que a vida é finita. Esquecemos que talvez
não tenhamos tempo para aproveitar todo o imenso patrimônio que gastamos a vida
para acumular.
Se Pakhom não tivesse
vontade e disposição para conquistar mais terras, teria passado a vida toda como
miserável, sem poder oferecer conforto para a família. O que o fez progredir foi
a vontade de ter mais terras para trabalhar, de produzir para matar a fome da
família e de gerar excedentes para vender a outros. Mas esta mesma força
descontrolada lhe levou à morte.
É graças a milhares de
Pakhoms descontrolados que vivemos em uma sociedade de tanto progresso material
e humano. São insatisfeitos crônicos que constroem grandes grupos empresariais,
que descobrem formas de tratar novas doenças e maneiras mais rápidas de se
transportar, de se comunicar, entre tantas outras maravilhas da sociedade
atual.
Porém, são alguns dos
mesmos descontrolados que provocam os golpes financeiros, a corrupção
assustadora, os lares sem pais para educar os filhos e uma sociedade de
excluídos que frequentemente se revolta e investe contra quem os
exclui.
:: O equilíbrio
A vontade de progredir e
realizar é fundamental para a felicidade humana e para o progresso de uma
sociedade. Pessoas acomodadas e sem vontade de mudar a vida e o mundo tendem a
não ser muito felizes.
É justo que as pessoas
busquem melhorar suas vidas. É extremamente desejável que as pessoas acumulem
bens que lhes permitam ter tranqüilidade material. A busca do progresso
individual, se feita com ética e serenidade, possibilita o progresso de todos.
Mas é fundamental estabelecer limites para os desejos compatíveis com as
possibilidades de cada um.
Evite que sua vida seja
consumida pela louca corrida para ter cada vez mais. Lute para progredir, guarde
uma parte do que você ganhar para a aposentadoria, mas não se esqueça de
aproveitar a vida, pois ela é finita.
Autor: Jurandir Sell Macedo.Artigo publicado no portal do Banco do Brasil.
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