Billings, o engenheiro que fez os rios correrem ao contrário e mudou para sempre a cidade de São Paulo.
No
caminho entre o litoral paulista e a cidade de São Paulo, uma série de
tubulações que se erguem pelo gigantesco paredão rochoso da Serra do Mar
chamam a atenção.
São
as tubulações externas da "Usina de Cubatão" (Usina Henry Borden), uma
das mais excepcionais obras da engenharia brasileira, fruto da
criatividade e excelência técnica de um engenheiro que poderia ser
classificado como um dos mais brilhantes que já passaram por nossas
terras: Asa White Kenney Billings.
Billings,
um norte americano de Omaha, nascido em 8 de fevereiro de 1876, chegou
ao Brasil em fevereiro de 1922 como engenheiro da Light, a empresa
canadense responsável pelo fornecimento de energia elétrica da cidade de
São Paulo, pensando em ficar alguns poucos meses. Naquela época, o
rápido crescimento da cidade, que começava a dar sinais de
industrialização, já apontava um aumento significativo da demanda por
energia elétrica.
Obcecado
pela ideia de criar uma maneira de gerar energia de forma eficiente,
aproveitando a geografia da cidade, teve uma ideia: Por quê não usar a
queda abrupta de mais de 700 metros do planalto paulista para gerar
energia elétrica?
A
ideia era genial, mas ainda existia um enorme problema: a topografia da
cidade fazia com que os rios que nasciam próximos à Serra do Mar, como o
Tietê e o Pinheiros, corressem em direção ao centro do estado, e não
para o litoral. O que tinha sido uma enorme vantagem para os
Bandeirantes, que usaram os rios para explorar os rincões do Brasil,
tornava-se um empecilho para as ideias de Billings.
Mas
a perseverança e criatividade do engenheiro americano não tinham
limites, e novamente ele teve uma ideia que a princípio mostrava-se
absurda: se os rios não correm para a Serra do Mar, por que não reverter
seu curso através de estações elevatórias, formando um reservatório que
permita a geração de energia?
Os
estudos mostraram que a reversão de toda a bacia do Tietê não seria
factível, mas aplicar a ideia de Billings até a confluência entre os
Rios Pinheiros e Tietê seria possível. Desta forma, o Rio Pinheiros
seria transformado em um canal desde sua foz até a estação de
bombeamento da Traição, que elevaria as águas em cerca de 5 metros,
conduzindo-as até a base de uma represa que seria construída nos
arredores de Santo Amaro, de onde seriam bombeadas até o Reservatório do
Rio Grande, a ser formado por esta barragem. As águas seriam conduzidas
às turbinas através de tubulações que desceriam a Serra. O maciço da
Serra do Mar, que tantos obstáculos havia criado para a colonização do
planalto, seria finalmente utilizado a favor dos paulistas.
À
época, o Rio Pinheiros tinha um trajeto sinuoso, formando uma grande
várzea inundável, cujos habitantes sofriam com frequentes inundações. O
plano de Billings ainda teria a tarefa adicional de aumentar a
eficiência do canal que levaria as águas para o reservatório retificando
o curso do rio, que traria um efeito colateral interessante: acabar com
as enchentes da região.
Em
1927 tiveram início as obras da Usina Hidrelétrica de Cubatão, a
barragem do Rio Grande (que depois foi expandida e ganhou o nome de
Represa Billings) e o deslocamento da antiga Estrada Rio-São Paulo, que
passava exatamente por uma área que seria submersa.
Depois
de problemas de atrasos nas obras durante o período iniciado a partir
da Revolução de 32, a retificação do canal do Rio Pinheiros e as
estações elevatórias em seu percurso foram concluídas em 1944, acabando
com as grandes inundações que ocorriam em suas margens durante séculos
(depois, com a impermeabilização do solo, as inundações voltaram, mas
esta é outra história...)
Com
o sistema em pleno funcionamento, a Usina de Cubatão mostrou-se um
sucesso acima das expectativas, pois sua queda de 720 metros e o uso das
turbinas Pelton, otimizadas para uso com pouco volume de água, mas com
alta queda, tornaram-na uma das mais eficientes do mundo.
O
reconhecimento mundial do trabalho de Billings veio em 1936, quando a
"Institution of Civil Engineers" de Londres convidou-o a apresentar um
relatório sobre o trabalho feito no Brasil, especialmente em São Paulo. O
documento "Water-Power in Brazil" tornou-se um clássico no assunto, com
leitura recomendada nas Escolas de engenharia de todo o mundo. Seu nome
é uma constante na lista dos maiores engenheiros do séc. XX.
Durante o período em que Billings esteve no
Brasil, entre 1922 e 1949, a geração de energia em São Paulo aumentou
de 90 mil quilowatts para mais de 500 mil quilowatts.
Depois
da aposentadoria de Billings, foi construída outra obra fantástica, uma
segunda usina subterrânea ao lado da Usina de Cubatão, totalmente
escavada na rocha, com os mesmos 720 metros de queda e turbinas Pelton,
aumentando a capacidade de geração de energia para 800 mil quilowatts.
Além
da geração de energia, a Represa Billings tornou-se um dos principais
mananciais da região metropolitana de São Paulo. Infelizmente, na década
de 80, a poluição das águas do Pinheiros estava tornando as águas da
Represa Billings impraticáveis para consumo humano, e o bombeamento foi
interrompido. Com isto, hoje a Usina de Cubatão continua na ativa, mas
opera com apenas 1/4 de sua capacidade.
Billings
faleceu em sua residência na cidade californiana de La Jolla, em 3 de
Novembro de 1949, poucos meses depois de ter se aposentado, deixando
aquela que foi sua verdadeira pátria, por quem trabalhou
incansavelmente.
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