segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre o vinho do Porto

Isabel Marrana, secretária geral da Associação das Empresas de Vinho do Porto, apresenta uma perspectiva muito pragmática sobre o Vinho do Porto. Atingir novas faixas etárias, chegar a diferentes e difíceis mercados e manter a exigente certificação. São estas as metas a atingir num sector de excelência, onde as empresas unidas se entendem e Instituto regulador é por todos respeitado e apreciado. É este o cenário que Isabel Marrana nos mostra, numa entrevista onde não faltou ainda a referência aos vinhos do Douro e à excelência da região.

Qual é o papel do Vinho do Porto nas exportações em Portugal?
Hoje, o Vinho do Porto não tem o papel nas exportações portuguesas que teve no passado. No entanto, nas agro-alimentares, sobretudo nos vinhos, é claramente o vinho mais exportado em Portugal. Fora o elemento quantitativo (representa 53 por cento das exportações de vinhos em Portugal) é o que chamamos de embaixador português porque é uma marca notória internacional portuguesa e que efectivamente é reconhecida em todo o mundo. E por isso funciona também muito como uma marca de prestígio, como um cartão de visita português de qualidade e prestígio. Pode ser uma importância já não muito expressa no peso quantitativo das exportações, mas do ponto de vista de marcas notórias portuguesas o Vinho do Porto mantém o seu lugar em todo o mundo.

Porque é que acha que isso acontece? Tem a ver com a história do Vinho do Porto?
O Vinho do Porto tem uma notoriedade histórica. É um produto que se tem mantido ao longo dos séculos. Tem uma história que no seu início é muito ligada à Inglaterra, o que facilitou a notoriedade internacional, uma vez que esta indústria é desenvolvida no início em grande parte por empresários ingleses. Nos tempos recentes, manteve-se sempre, porque o nível de exportações foi sempre crescente, com excepção dos dois últimos anos de crise. De um modo geral o Vinho do Porto soube sempre manter-se. Portugal é para o Vinho do Porto apenas o terceiro mercado consumidor, e isto é um exemplo claro disso. Há dois mercados, a França e a Bélgica, que consomem mais Vinho do Porto que os portugueses. A Holanda também, mas no ano anterior Portugal ficou em terceiro porque felizmente está a crescer, mas a média dos últimos 5, 10 anos mostra que Portugal está sempre em quarto lugar. Isto é uma grande prova da abertura que o Vinho do Porto tem ao exterior. E foi conseguido ao longo de muitos anos.
As empresas instaladas há muitos anos em Vila Nova de Gaia e no Douro têm uma tradição muito grande e mantiveram sempre uma energia e uma capacidade económica muito elevadas.

Acredita que estas empresas podem ser um exemplo a seguir por outros sectores de actividade?
O Vinho do Porto tem alguns pontos muito fortes e alguns fracos também, naturalmente. Mas nos fortes, o primeiro é a notoriedade que temos, já não temos que dizer quem somos. E isso é muito importante na exportação. Por isso, efectivamente, temos um lugar no mundo dos vinhos. Não há conhecedor mundial de vinhos que não conheça o Vinho do Porto e que não pretenda, nalgum momento, consumir Vinho do Porto. Já temos, por isso, o que é talvez mais difícil de conseguir.
Depois temos tido uma constante manutenção dos mercados. Damos uma importância extraordinariamente grande à visita ao mercado, à prospecção de mercado, à presença em feiras. As empresas têm comerciais no exterior a maioria do tempo do ano. Mas nós não estamos a dar os primeiros passos nesse sentido. Eu diria até que o ponto fraco que temos está na conquista de consumidores mais jovens. Mas isso em todo o mundo e até sobretudo em Portugal. Consumidores que percebam que o Vinho do Porto é um vinho que pode ser bebido em todas as ocasiões.

É nesse sentido que estão a criar bebidas alternativas como o Porto Tónico, por exemplo?
Exactamente. Passa por mostrar ao consumidor que o Vinho do Porto tem uma valência de categorias e de produtos muito grande e que tanto pode ser comprado muito caro e bebido numa ocasião muito especial, um Vintage, como pode ser bebido numa discoteca, misturado com água tónica. A notoriedade e o prestígio do Vinho do Porto prende-se muito com a extrema qualidade que têm os Vintage e os LDV, entre outros, e que são produtos mais caros de consumo em ocasiões mais especiais. O que estamos a procurar comunicar, muito em Portugal e também no exterior, é que o Porto é antes de mais um vinho, e depois que é um vinho que pode ser consumido em qualquer idade e em qualquer ocasião. Podemos tê-lo como aperitivo, como digestivo, etc. E este é o grande desafio que o Vinho do Porto tem. Ele tem notoriedade, tem mercados, vendemos para todo o mundo. Os mercados para onde não vendemos é porque ou estão fechados ou porque têm imensas dificuldades de pagamentos e de sobrevivência, ou por dificuldades culturais, como nos países árabes, onde não se bebe vinho. De resto, desde a Rússia aos EstadosUnidos, passando pelo Canadá, Brasil, Nova Zelândia, entre muitos outros, nós estamos presentes. Temos os mercados abertos, é um trabalho que está feito e que é preciso manter. Neste momento a grande preocupação não é abrir mercados, mas é claro que também estamos a ir atrás da China. Abre-se um mercado e uma oportunidade de negócio e é inequívoco que nós lá estamos. Mas o que queremos é que nesses mercados todos é não ficar só pelo topo da pirâmide, nos vinhos de melhor qualidade, mas que expliquemos o consumo e a base do consumo. Este é o grande desafio que temos neste momento.

Como é que se chega a um mercado como a China, por exemplo? Que estratégias são utilizadas?
O Ministério da Agricultura está agora mesmo a preparar uma missão à China em Outubro. É um mercado que tem uma diferença cultural enorme, o que representa inúmeros desafios. Temos que explicar a quem não tem qualquer hábito de beber vinho que é bom fazê-lo, que é uma oportunidade. A China tem uma pujança económica conhecida e tem uma atracção pelo consumo ocidental muito grande. E a oportunidade está aí. Mas depois tem muitas dificuldades. Temos que adaptar o vinho à comida dos chineses, que é completamente diferente. Não é por acaso que nesta missão vamos com um chefe de cozinha português para explicar as conjugações. Todas as diferenças culturais dificultam. É claro que é muito mais fácil vender no Brasil, não há ninguém que não queira ir ao Brasil vender Vinho do Porto.
A estratégia é ir ao mercado, tentar ter um agente lá, tentar promover o Vinho do Porto como um vinho notório na Europa e depois tentar entrar devagarinho no mercado. É um mercado longe e fica muito caro lá ir, mas é um investimento.
Temos um problema com a China, que é facto de lá não se proteger as denominações de origem. Neste momento sabemos que a China, não ainda de Vinho do Porto, mas está a fazer importações de videiras para começar a produzir vinho em força. E é o que se faz sempre lá, a China replica o que o mercado quer. Aí estamos também a tentar, em conjunto com o Governo, concretizar protocolos bilaterais que, no mínimo, protejam o possível. Mas é um problema cultural porque copiam tudo.

O Vinho do Porto não se contenta então com os mercados mais antigos e tradicionais?
Não, de todo. E temos ainda outro mercado que é muito atraente, a Índia. Só que a Índia não tem a explosão económica da China, só tem explosão demográfica. Mas tem outras vantagens culturais. O que a China não tem a Índia pode ter pela forte presença inglesa que teve no passado e que deixou muitas raízes anglo-saxónicas, onde o Vinho do Porto caminha bem.
Um outro mercado que para nós é de grande emergência é a Rússia. Gosta muito de vinho, gosta muito de álcool. Tem é ainda um problema de segurança de negócios enorme. Se me fizesse esta entrevista há dois anos, a Rússia era para nós a grande aposta, mas esta crise económica global abateu claramente esta iniciativa.
Temos como principais mercados a Europa. Os Estados Unidos têm um potencial de crescimento enorme, é o nosso sexto mercado, mas pode crescer imenso porque ainda vendemos muito pouco para o que o mercado é. Reconhece-nos, cada vez temos mais prémios e somos colocados em lugares de top na qualidade de vinhos europeus. Temos muita perspectiva de crescimento nos Estados Unidos.
Temos ainda o Brasil, que é o nosso mercado irmão. O problema do Brasil é a grande quantidade de entraves comerciais que os governos fazem à importação de produtos. Depois temos estes novos mercados, a China, Índia e Rússia, onde começamos a entrar para não os perdermos.
Isto é feito pelas empresas. A Associação tem um grupo de promoção, onde reúne todos os directores de marketing de todas as empresas e onde traça as linhas estratégicas globais de mercado para poder dar aconselhamento ao Instituto do Vinho do Douro e Porto (IVDP), que tem um orçamento para ser gasto em promoção do produto. Agindo em parceria com o IVDP reunimos com as empresas, que têm o interesse geral de traçar as estratégias de mercado.

A rigorosa certificação a que o Vinho do Porto está sujeito é também uma bandeira da credibilidade do produto?
É verdade. Há muitos anos que o IVDP é o instituto público por excelência. Não custa um cêntimo ao orçamento de Estado, sobrevive totalmente das taxas que o vinho paga. É o próprio produto que paga este organismo. Se todos os produtos portugueses assim fossem estaríamos no caminho certo.
Tem três vertentes muito importantes. Certificar o produto, com um padrão de altíssima qualidade. Fiscalizar, cumprindo a legislação antiga, sábia e complexa do sector. E ainda uma vertente promocional. É ao IVDP que compete explicar o que é o Vinho do Porto e defender a denominação de origem. Este é um produto cuja notoriedade advém certamente de ser de inquestionável qualidade, porque o certificador que é o IVDP é há muitos anos tido como de excelência, sério, que faz a prova dos vinhos, que faz a recusa dos vinhos que não estão correctos, que controla as quantidades de vinhos e isso é também uma bandeira comercial nossa. Utilizamos o peso da certificação a que estamos sujeitos para podermos explicar ao consumidor que todas as garrafas que têm o selo de garantia do IVDP passaram por um controle de certificação muito apertado.
As associações de outros países com as quais tenho contacto ficam admiradas com o grau de exigência da certificação do Vinho do Porto. E eu digo-lhes sempre que os próprios comerciantes preferem ter esse controle porque se protegem da concorrência desleal. O sector do Vinho do Porto é, de facto, singular, tem um investimento intensivo de tal forma grande que não proporciona a entrada de quem queira estar só de passagem. Desenvolve-se pelo produto uma paixão, um compromisso. Encontro isso poucas vezes, talvez só em Champagne, uma paixão pelo produto, um compromisso claríssimo pela qualidade do produto por parte dos operadores. E há um respeito inequívoco ao IVDP.

Os vinhos do Douro têm crescido muito nos últimos anos. São concorrentes ou parceiros?
São complemento. No passado os vinhos do Douro não tiveram um protagonismo muito grande, devido talvez ao grande protagonismo do Vinho do Porto. A região do Douro, de uma beleza estonteante, tem um solo e clima totalmente propícios à produção de vinho de qualidade. As casas comerciais de Vinho do Porto, na sua quase totalidade, dedica-se hoje também ao comércio e exportação dos vinhos do Douro.
Em Portugal os vinhos do Douro são hoje uma moda, descobriu nos últimos cinco anos estes vinhos, e descobriu com espanto porque a qualidade é de facto muito grande. Temos uma quantidade de sol na região, uma rarefacção de água e um solo inigualáveis no país para a produção de vinho. Eu diria que qualquer vinho do Douro é bom. Depois há os muito bons.
Os vinhos do Douro têm crescido essencialmente em Portugal. Nos mercados de exportação, não têm a notoriedade que o Vinho do Porto, claro, mas estão num processo ascendente. Estamos a dar a conhecer no exterior que a mesma região que produz o vinho do Porto tem um outro produto chamado vinho do Douro. Mas esse trabalho está por fazer. O grande crescimento de consumo de vinhos do Douro é no mercado nacional, que se rendeu a estes vinhos. Estamos a começar nos mercados de exportação. O mercado dos Estados Unidos é muito bom para o vinho do Douro, assim como o Canadá.
Desde 2007 a certificação e fiscalização dos vinhos do Douro está entregue ao IVDP. Por isso neste momento há todas as condições para que a credibilidade dos vinhos do Douro se confirme. Acredito que têm um futuro absolutamente promissor, não só entre nós, mas também nos mercados externos.

Acredita que e região está a saber acompanhar este sucesso?
A região tem também alguns problemas, como todas as regiões de interior. É uma região de monocultura, vive ainda quase dependente do vinho e deve desenvolver outros negócios, como o turismo, que é o que está a ser feito. Nenhuma região hoje deve viver dependente de um único produto. A região deve olhar para si própria, verificar que tem já uma fonte de rendimento razoável, o Vinho do Porto, mas que não deve ficar por aqui. Tem todas as dificuldades de uma região do interior com a vantagem de ter um produto que tem sucesso, mas essa vantagem deve ser aproveitada mas não constituir uma dependência. A região do Douro tem um potencial turístico enorme que ainda não explorou.

Fonte: Rotary em Portugal.

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