quinta-feira, 21 de abril de 2016

Pesquisadores brasileiros acham o primeiro coração fossilizado


Graças a seu coração de pedra, o Rhacolepis buccalis deve entrar para a história da paleontologia. E não porque esse peixinho de 115 milhões de anos fosse especialmente malvado. Pesquisadores brasileiros descobriram que o coração do bicho ficou preservado em fósseis da espécie – é o primeiro caso registrado no mundo.
A descoberta é importante não apenas por ser a primeira do gênero, mas também por mostrar que a evolução dos seres vivos não é uma eterna marcha rumo a espécies mais complexas, como muita gente acredita.
Ocorre que o coração do peixe tem uma estrutura intermediária entre formas mais primitivas, porém mais complicadas, e outras que apareceram depois, mas são mais simples – ou seja, ao menos no caso do coração, houve uma perda de complexidade com o passar de milhões de anos.
É claro que encontrar um coração fossilizado, com estruturas internas que podem ser examinadas em detalhe, foi uma surpresa – mas o local de origem do fóssil já dava margem para esperança desde o começo. É que o R. buccalis vem da chapada do Araripe, um pedaço do atual sertão nordestino que, durante a Era dos Dinossauros, ficava à beira-mar e estava repleto de lagunas de água salobra (nas quais nadavam os membros da espécie). As condições geológicas especiais do Araripe permitiram a preservação de tecidos moles – como músculos, pele e penas – de diversos animais do passado. Os mais vistosos são os pterossauros (répteis alados), enquanto os peixes extintos estão entre os mais abundantes.
Para conseguir enxergar detalhes mínimos do interior do fóssil, a equipe coordenada precisou contar com a ajuda dos raios X altamente energéticos produzidos pelo LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), em Campinas. Com eles, foi possível fazer uma espécie de tomografia do fóssil, com um nível de detalhamento muito superior ao dos melhores tomógrafos disponíveis para uso médico – a resolução é de poucos micrômetros, ou milésimos de milímetro.
"O nível elevado de energia é necessário para atravessar materiais duros feito rocha, como é o caso dos fósseis", explica José Xavier-Neto, do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências), que coordenou o estudo sobre o "coração de pedra" que acaba de ser publicado na revista científica "eLife".
Num raio-X convencional, o que um médico enxerga é basicamente como cada parte do corpo absorve com diferentes intensidades os raios emitidos pelo aparelho. Para o nível de detalhamento que os pesquisadores queriam obter, no entanto, só esse processo não basta, conta Harry Westfahl Junior, diretor científico do LNLS. É necessário tirar partido da refração – o mesmo processo que faz com que as ondas de luz que vêm do ar e entram na água mudam de velocidade, de forma que uma caneta colocada dentro de um copo d'água parece "quebrada".
Como os raios X também são essencialmente ondas de luz, embora muito mais energéticas que a luz visível, a mesma coisa acontece quando elas atravessam meios diferentes – e isso pode trazer muito mais informações sobre diferentes componentes de um fóssil – ou de qualquer outro objeto.

Fonte: Folha de São Paulo - Ciência - Por Reinaldo José